1.o Sinopse – Apresentação
“do Vagar e da Memória aspira ao rito que não aliene nem evada – a ‘voz perene’, rito ancestral do sentido da relação amorosa com o outro, com o mundo…”
Apresentação
Depois de, em lances dispersos, se dar a entrever para de novo se pôr a recato, eis que a criação poética de Maria Toscano se decidiu a adoptar, ao ritmo do Vagar e da Memória, os contornos de uma primeira colectânea. Sujeitou-se, então, a uma escolha de contenção. A um discurso evocativo ou alusivo deu corpo textual exíguo, embora latejante de expansão relacional – tal como esse corpo de que ele mesmo é voz: o corpo do sujeito lírico e sua parceria existencial.
Corpo do corpo é, pois, aqui a palavra como experiência do real (“…//aceno meigo/teu andar:/ contorno do verbo desejar”).
O eu, que vem até nós no desejo que viça entre o Vagar e a Memória, quer envolver-nos numa pragmática de partilha. Apresentando-se em discreta, mas insofismável, auto-estima, quer fruir em comunhão, cativar e doar, enlaçar e soltar… Eros de encontros e desencontros, ainda sem ágape pleno, é, pois, o “poema incessante/amante”.
do Vagar e da Memória aspira ao rito que não aliene, nem evada – a “voz perene”, rito ancestral do sentido da relação amorosa com o outro e com o mundo, mas rito sem dominação, no “verso/saciado/se amo”. Esse desígnio é que leva esta poesia a “entoar um eco sem dono” (forma do conteúdo e forma da expressão em versos que, como os de “comecei uma lenda”, se organizam sobre a anáfora e outras figuras de reiteração).
Esse vector rítmico de constância interage com um vector estilístico de alteração ou deslocação, realizado pelas anomalias léxico-gramaticais de um discurso centrado na insólita deixis pronominal da subjectividade (que lembra a da “dispersão” da Sá Carneiro).
Por isso, vários elementos da colectânea breve actuam, ao mesmo tempo, como ponto de referência e como pólo de irradiação. Entre eles – até porque beneficiado pela conotação telúrico-libidinal, que se desprende das raízes meridionais no belo paratexto biográfico e que depois se reforça em repetidas sugestões hedonistas (“pagã/crença desprotegida/ deu-me a vida/…”, “voz eterna/de gestos moiros” etc.) – destaca-se um signo recorrente: moreno: cor e tacto, perfil em fuga e contacto, nostalgia e presença (aliás, na dialéctica do “branco”).
Entretanto, no “silêncio da terra” cresce a “raiz”, para que nos cheguem, decerto, os frutos mais abundantes e sazonados de outros versos.
José Carlos Seabra Pereira