Mestre

Dissertação de Mestrado em “Sociologia Aprofundada e Realidade Portuguesa” (Departamento de Sociologia da FCSH da Univ. Nova de Lisboa). Tema: «Pobres: Destinos Fatais e Utilidade Social – por uma Sociologia da Acção Histórica» e

Toscano, Mª. De Fátima (1993), POBRES: DESTINOS FATAIS E UTILIDADE SOCIAL por uma Sociologia da Acção Histórica. Dissertação de Mestrado em Sociologia Aprofundada e Realidade Portuguesa, sob Orientação da Professora Doutora Isabel Guerra. Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, Dep. de Sociologia da F.C.S.H., 1993, 546. pp. + Bibliog., 81 pp. + Índ. de Temáticas, 12 pp. + Índ. de Autores, 13 pp. + Índ. Ger., 10 pp. + Anexos a, b, c, 54 pp. + Anexo d, 10 ilustr. (polic.).

Sinopse

Esta investigação pretendeu identificar: quais os grupos socialmente categorizados como Identidades Sociais Pobres; como e quando essa categorização é socialmente construída na cultura euroocidental portuguesa.

No percurso fundamentador desta investigação e a partir da análise de fontes secundárias (abordagens históricas dos «pobres») foi necessário recuar no tempo histórico e incluir a Problemática do processo de afirmação social da burguesia, entendido na interacção com os outros grupos sociais não burgueses: quer através das práticas sociais de hegemonia e afirmação e legitimação da acção da burguesia nascente; quer por um ethos burguês baseado dominantemente no utilitarismo e no individualismo, na utilidade da própria razão humana que viria a fundar o conceito do homem moderno. Da ascensão da burguesia salientaram-se, assim, quer os interesses normativos e racionais (da burguesia) pelo social, quer a produção de sentimentos sociais. Tal linha de trabalho pressupunha que, ao nível epistemológico, se indagasse sobre o interesse social na construção de formas de conhecimento do social, no quadro da racionalidade Ocidental:  como se desenvolveu o interesse em conhecer o social? Foi este ponto de partida epistemológico que sustentou a leitura  comparativa dos contextos sociais de formação da Antropologia e da Sociologia. Ressalta-se, ao nível dos percursos de formação daquelas ciências, como principal obstáculo na análise e compreensão das diversidades sociais, o viés moralisto-sociocêntrico, patente tanto no interesse antropológico pelos povos ditos primitivos, desde a Expansão Europeia; quanto no objecto unificador do interesse sociológico no contexto da Revolução Industrial. Para a compreensão deste processo expõem-se, de forma sumária, as mutações nos modos de pensar a sociedade, assim como se aborda a emergência, por antecipação, do Renascimento e da economia capitalista.

Este percurso histórico-teórico pretende recuperar as transformações da Europa mediterrânica e os processos de afirmação conflitual da burguesia nascente (urbana, comercial, legista, intelectual e industrial). Aí, reflecte-se ainda em torno das formas sociocêntricas desses discursos o etnológico, o sociológico, como também os enviezamentos herdados, por estes, dos respectivos pensamentos précientíficos ou das formas de conhecimento dominantes na época desenvolvendo-se de forma mais aprofundada as conflitualidades internas às primeiras abordagens sociológicas, nas suas diferenciações paradigmáticas.

Paralelamente ao vector epistemológico assinalado, este estudo apoiou-se nos contributos de Alain Touraine tanto para a compreensão da sociologia enquanto «ideologia da modernidade», quanto para a reflexão sobre o conceito de acção social. Por isso, na viagem histórico-teórica proposta emergem ainda as visões dicotómicas da Ordem e do Controle Social subjacentes às conceptualizações clássicas do sociólogo françês Émile DURKHEIM e do alemão Karl MARX. Debruçando-nos sobre os contributos destes dois autoresfundadores da disciplina sociológica, propomos aí uma crítica analítica dos elementos sociocêntricos já presentes nas suas obras, os quais consideramos serem condicionadores da produção sociológica subsequente bem como da compreensão de fenómenos sociais, como o é o das «pobrezas».

Tal interesse de investigação filiado na crítica contemporânea à epistemologia positivista fragmentária da totalidade complexa do social vislumbrava, desde logo, a pertinência da análise das visões colectivas para a compreensão dos fenómenos sociais.

É que, sendo Durkheimiano na coisificação sociológica dos factos sociais; Marxiano na compreensibilidade das práticas sociais pela conflitualidade de interesses de agentes com desiguais posições sociais; e Weberiano no enfoque subjectivointeraccionista que informa também o paradigma Tourainiano da acção histórica, este estudo cresceu ainda com os ensinamentos da contemporânea análise histórica das mentalidades.

Contudo, o projecto inicial teria sido estéril se no seu percurso fundamentador não se tivesse aberto o diálogo da sociologia com a história actualmente produzida, mediante a análise documental de fontes secundárias: as das abordagens históricas dos «pobres».

Propondo-se deste modo abordar sóciohistoricamente as visões do mundo em torno dos grupos designados como pobres, o design desta pesquisa foi feito a partir de três vectores analíticos decorrentes dos três Componentes do Conceito de Visões do Mundo, a saber: componentes sócio-emocionais (sentimentos colectivos); práxico-intervencionais (medidas/respostas sociais) e cognitivo-conceptuais (noções/critérios/conceitos) em torno dos socialmente designados como pobres.

No I º. Vector Analítico partiu-se das constatações do Constante Interesse Social de que os Pobres são alvos ao longo da História, o qual se revela simultâneamente Mutável, no que se refere aos grupos que são assim categorizados. Esse Interesse Social é verificável a dois Níveis: o Histórico-Práxico-Intervencional que preocupações e/ou medidas/respostas face aos pobres são reveladas pelos documentos? ; e o Histórico-Cognitivo: que critérios, que formas de designação/ reconhecimento social, que racionalização, e, já no século XIX, que reflexão e que conceptualização são feitas em torno desses grupos sociais?

Quanto à Mutabilidade e Diversidade dos pobres esta foi captada pela Visibilidade Histórico-Social de variados tipos de designações sociais (aqueles que são pobres para um dado contexto social não são os mesmos tipos de pobres de um outro contexto diferente); e pela construção/reconstrução do ethos da pobreza.

Num IIº. Vector Analítico fez-se corresponder à emergência do estilo de vida burguês uma visão do mundo burguesa, remetendo-se  assim para a necessidade de coesão entre os modos de pensar e de agir imanente ao processo de afirmação social da burguesia, manifesto na racionalização do social e na desvalorização das racionalidades não burguesas.

Tal desvalorização das outras racionalidades é entendida como paralela à construção/atribuição de identidades sociais negativas aos grupos não burgueses e, particularmente, aos grupos que vão sendo classificados/designados com a condição «pobreza».

No IIIº. Vector Analítico formulou-se a tese central desta pesquisa: a de que a Visão Medieval do Mundo da burguesia nascente está presente na Visão Contemporânea dos pobres, seja ao nível Histórico-Cognitivo-Conceptual, ao nível Histórico-Práxico-Intervencional ou ainda ao nível SócioEmocional.

Ao defender-se a persistência da medieval visão lácrimofatalista das «pobrezas», quer-se falar da coexistência (e não da oposição) destes vectores: são esses fatalismo e/ou utilitarismo, sociais, que: i) por um lado, fundam uma visão que naturaliza «A Pobreza»; ii) por outro lado, permitem a persistência d«A Pobreza» por o olhar científico e o fazer técnico-político estarem embebidos daquela visão; e iii) por outro, ainda, instituem tamanha utilidade (social) ao facto social «POBREZAS».

Ao defender-se a persistência da visão lácrimofatalista das pobrezas enuncia-se mais: é que a naturalização d’A POBREZA não só perdoa a sua persistência como, e acima de tudo, desfoca a própria historicidade desse movimento social; i.e., considerar «A POBREZA» como natural na vida social, acentua o elemento «persistência d’A POBREZA», diluindo ou, em certos casos mesmo, omitindo a mutabilidade e diferenciação dos grupos ditos pobres. Captar estas mutabilidades e diferenciações implica, pois, uma postura que se interrogue sobre as suas condicionantes e mudanças. Implica um esforço (no sentido da Teoria Voluntarista da Acção Parsoniana) por parte dos sujeitos sociais sociólogos, de não mais tomar como objecto «A SOCIEDADE» (pensamento racional sobre o social). Antes, como ensina TOURAINE, são as relações sociais que justificam e alimentam a análise sociológica. Implica, finalmente, não excluir, no processo de investigação sociológica, os sujeitos sociais dos núcleos relacionais de produção da vida social logo, incluir nesse todo social relacional as lógicas constituintes dos campos de acção histórica. Afinal, trata-se da insistência na compreensão das condutas-intenções sociais enquanto factos sociais e não como meras individualizações fragmentadas, pretensão da abordagem sociocêntrica.