esse homem é mortal. por isso inventa casulos onde solidão
acenos sem expectativas e rombos de fogos e braços pueris.
esse homem é mortal na vida, no sangue sémen e dor.
finge desconhecer — ou teme conhecer — que o rumo
dos rios e das marés também podem alagar as margens quietas.
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é preciso ser-se um mortal sabedor da morte
para entender que há rumos nos rios e marés e margens quietas.
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para quem percorra o rio são as margens que se movem.
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para qualquer marinheiro são as marés que rumam a vida.
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mas este homem não é marinheiro — só é mortal.
sem cigarro ou cachimbo de madeira, fumegante
sem dedos amarelados nem ressequidos
sem barba farta nem bigode macio na hora do beijo amante
— este, é um homem mortal, enfurecido com a vaga e as ondas.
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árdua condição — real humana finita — ao invés da mítica,
da ficcionada condição de marinheiro de apelido perdido
para todo o sempre por entre o sal das onduladas carícias
das iniciáticas ternuras na pensão do 7.º andar
numa alta noite de gestos impossíveis mas fervorosos.
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tequila. mezcal. rum.
levanta muertos y salsa.
“bésame mucho”.
“te quiero, te quiero, te quiero”.
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é preciso ser-se um mortal sabedor da morte
para entender que há rumos nos rios e marés e margens quietas,
para aprender que, uma vez beijado na boca de um marinheiro,
nunca mais o mar nos liberta.
e só nos salva
pela nossa entrega, cativos, à sua rugosa saudosa mão.
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© Maria Toscano. Poema e Imagem.
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Poema: do livro inédito “esse homem — fábulas.”
Casa do Caes. Figueira da Foz. 8 Jan/2016.
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imagem: Porto de Leixões. 12 Outubro/2017.