De uma entrevista que me fizeram sobre o COMO e o PORQUÊ da minha Escrita – e de que nunca vi a publicação nem soube o destino (era para uma pesquisa, creio) – partilho aqui algumas das minhas afirmações que poderão interessar quem escreve, quem quer escrever e , mesmo, quem não escreve mas gosta de ler 🙂
[renumerei e personalizei os ítens abordados ]
- Como começar o dia (rotina matinal?)
“A minha rotina matinal varia muito em função das actividades que tenho em mãos
– pesquisa sociológica de campo ou gabinete; aulas; formação; espectáculos de leitura encenada ou de canto; oficinas criativas; sessões de Coaching…
Como tal, varia e depende da actividade e do próprio local onde estou a residir.
Como a actividade de escritora não é a fonte dos meus rendimentos, sou condicionada pelos horários das actividades ‘laborais’.
Quando estou livre de horários externos e focada só na escrita, sim, tenho uma rotina matinal: meditação breve, pequeno-almoço, duche, passear as cadelas, tomar café e ler um pouco.
O meu horário nobre para escrever é das 17h em diante… pela noite dentro (repito: quando estou livre de horários externos e focada só na escrita,…).
Esta condição é o pressuposto e contexto de reflexão de quase todas as respostas que dou a seguir”
2. Ritmo, horários e meta de escrita diária?
“- escrevo diariamente (registo poético) desde os 11 anos; não me deito para dormir sem escrever
– quando concentrada só na escrita, as metas variam em função do tipo de escrita:
Escrita académica (teses, artigos) – sempre sujeita a cronograma e datas muito precisas para terminar e enviar para publicação;
Escrita literária espontânea, mecânica – muito imprevisível, diariamente costumo fruir este estado (por minutos, só numa pista ou por meia hora de escrita rápida); sendo que há períodos em que é mais intensificado e pode ocupar-me horas sucessivas
Escrita literária trabalhada/revista – sempre sujeita a cronograma: a meta é mais clara quando escrevo prosa (romance ou contos), pois o plano de escrita/enredo e a construção dos personagens obrigam a muito rigor no cumprimento daquele plano ( o que não impede de haver ‘fugas’ e improvisos depois revistos). No caso da poesia, esta meta é muito clara quando me proponho rever uma colectânea de textos, organizar um livro ou quando me foco numa temática que quero abordar e , como ainda o não fiz no registo ‘espontâneo’, me obrigo a planificar objectivos, conteúdos, tópicos e outros ‘ingredientes’ (às vezes, o tipo de poema, ex.º: longo, contínuo ou poemas vários…) do processo que depois procuro concretizar.”
3. processo de escrita: notas, dificuldade de começar, pesquisa para a escrita?
“A escrita da Poesia é a grande Investigação.
…
Quanto aos 3 tipos de escrita de que falei antes
– na Escrita académica (teses, artigos), a pesquisa está formalizada (não vou entrar aqui nas metodologias de pesquisa das ciências sociais J )
– na Escrita literária espontânea, mecânica , as notas podem confundir-se com pesquisa SE derem origem a uma escrita revista/organizada
– na Escrita literária trabalhada/revista – a pesquisa é quase sempre anterior, prévia, à construção e à revisão”
4. lidar com ‘travas da escrita’, procrastinação, medo de não corresponder às expectativas e ansiedade de trabalhar em projetos longos
“Não vivo sem escrever.
Procrastinação não conheço no processo de escrita.
Corresponder não é um objectivo do meu processo de escrita: ao escrever, viso provocar emoções, sensações e conhecimentos e insights (nos outros e em mim). Viso o novo, logo, não corresponder…
A ESCRITA é um processo longo, na minha vida, desde os 11 anos.
A grande ‘trava’ da escrita, para mim, é SE algum dia deixar de conseguir fazê-lo.”
5. Revisões dos textos? Procura de críticas externas?
“quando estou livre de horários externos e focada só na escrita,…).
A revisão é dura e pode ser muito obsessiva., variando consoante o tipo de escrita (3 tipos, como venho referindo):
Escrita académica (teses, artigos) – inúmeras vezes, até à exaustão;
Escrita literária espontânea, mecânica – só é revista quando lhe confiro lugar e direito (valor) de ser trabalhada; posso acumular cadernos de escrita espontânea sem a ela ter voltado para trabalhar (só para reler ou me ‘entrosar’/embebedar/induzir n/aquele estado.
Escrita literária trabalhada/revista – muito cuidada.
Tenho por hábito dar a ler e a rever a outras pessoas, sim. É fundamental!”
6. relação com a tecnologia: s rascunhos à mão ou no computador?
“Escrevo com todos os meios: caderninhos (que sempre tenho comigo), folhas soltas que apanho/arranjo de-repente (guardanapos de papel, bilhetes de comboio ou cinema… o que calhar), notas do iphone (uso muito , cada vez mais) e computador.
E na revisão também: gosto de imprimir e corrigir à mão e voltar a corrigir ao pc e imprimir e corrigir à mão até já não fazer alterações.
A escrita à mão é muito importante: permite proximidade e intimidade (os epistemólogos das abordagens compreensivas abordam isto muito bem); a escrita em iphone ou pc é muito útil pela distanciação que permite (como a máquina de escrever, dantes – e que ainda usei nos anos 70…)”
7. De onde vêm as ideias? hábitos para estimular a criatividade?
“VIVER! esse o conjunto de hábitos;
de entre eles – do viver – saliento: CONTEMPLAR. LER.
OBSERVAR as pessoas no QUOTIDIANO.
OUVIR e SENTIR e REFLECTIR e QUESTIONAR.
E…
CONTEMPLAR. LER. CONTEMPLAR. LER. CONTEMPLAR. LER.”
8. O que mudou no processo de escrita ao longo dos anos? O que diria a mim mesma se pudesse voltar à escrita dos primeiros textos?
” 🙂 mudaram:
a exigência – maior;
a entrega – maior;
a consciência – maior – do que não sei e ainda não li – maior;
a confiança na/ a entrega à palavra: deixar-me ir atrás das palavras que me ‘assaltam’ – maior;
…
o que me diria se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos: “deixa-te de rimas, lê e escreve!” 🙂 ”
- Sugestões de nomes para futuras entrevistas?
“Pelo menos:
– Fernando Franco
– Maria Emília Santos
– Victor Oliveira Mateus
– Rui Miguel Fragas / pseudónimo de Rui Féteira
a todos pode aceder pelo facebook; nem de todos tenho email: pelo messenger, em mensagem privada, acederá bem.”